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Como exercer um jornalismo que respeite pessoas gordas

Tempo de leitura: 4 minutos

Objetivos

  • Desenvolver uma cultura jornalística que se atente à questão da patologização do corpo gordo, ou seja, à ideia de que toda pessoa gorda é doente só por ser gorda.
  • Reconhecer que essa ideia é promovida por um campo do conhecimento hegemônico, que é fundamentalmente masculino, branco, capitalista e patriarcal, e que ignora as histórias, características, singularidades e potencialidades das pessoas sobre as quais produzem esse conhecimento.
  • Saber onde encontrar essas diferentes produções, tão relevantes quanto as já ouvidas.
  • Compreender que essa valorização de um conhecimento em detrimento do outro é uma característica do jornalismo, que em suas práticas produtivas no contexto contemporâneo reproduz material de divulgação de determinadas entidades sem uma problematização mais aprofundada de fontes e conteúdos.
  • Reconhecer que a patologização do corpo gordo leva a uma estigmatização social das pessoas gordas que, em consequência, são privadas de direitos básicos, e que a gordofobia vai além de perspectivas estéticas.
  • Promover uma cobertura jornalística que não compactue com a forma como as pessoas gordas são tratadas pela mídia, problematizando a gordofobia e contribuindo para a desconstrução do preconceito.

Referências

Eu sou Agnes Arruda, jornalista, mestre e doutora em Comunicação, Cultura e Mídia. Também sou uma mulher gorda, e essa informação é importante para falar sobre meu trabalho porque não é como se quem me vê não identifique em mim, com 120Kg, uma gorda; mas é que nesse lugar, por maior que a gente seja, parece que menos as pessoas são capazes de nos enxergar… Como gente!

Entre tantas hipóteses de pesquisa já testadas e comprovadas acerca da gordofobia, uma delas nos diz bastante respeito: a forma como o jornalismo tem apresentado e coberto fatos que envolvem pessoas gordas.

Ao longo de todos esses anos pesquisando a gordofobia como objeto de estudos no campo da comunicação, identifiquei como o jornalismo também pratica esse preconceito e, com isso, contribui para sua manutenção. Pior, pela credibilidade e alcance do ofício, ele acaba ainda por ampliar e expandir a gordofobia em sociedade.

Assim, é preciso parar de se esconder atrás do “apenas reportamos os fatos” para refletir sobre as pautas que já chegam enviesadas, as fontes que são excluídas apenas por sua aparência e julgadas até subconscientemente por causa do preconceito. Também precisamos refletir sobre a própria estrutura das redações que não contempla quem “não tem cara de jornalista” inclusive em atividades fora das câmeras, e por aí vai.

Vamos olhar para isso com a atenção que merece?

Resultados

A prática do jornalismo antigordofóbico permite proporcionar ao público conteúdo jornalístico que promova a desestigmatização do corpo gordo, contribuindo para a diminuição do preconceito contra as pessoas gordas, a partir do tratamento respeitoso e as contemple no jornalismo de forma digna.

A ferramenta pode ser utilizada em:

  • Matérias
  • Reportagens
  • Ensaios fotográficos e edições de imagem
  • Entrevistas
  • Notas
  • E demais conteúdos jornalísticos

Passo a passo

A prática antigordofóbica nas redações não é apenas sobre produzir conteúdo falando sobre o preconceito, mas também se relaciona a incorporar uma camada importante de checagem e cuidado com as informações.

Para as pessoas magras da redação:

  • Acolher de maneira integral e não combativa as observações sobre gordofobia que são feitas.
  • Se reconhecer nesse lugar de privilégio da magreza. Afinal, pessoas gordas são vistas como preguiçosas, desleixadas, sem foco ou força de vontade, só porque não emagrecem, e isso é repassado para o mercado de trabalho. Por isso, questione se as pessoas gordas com as quais você tem contato tiveram as mesmas oportunidades que você.
  • Não espere que as pessoas gordas tenham todas as respostas, nem subestime seu histórico de vida. Elas também foram socializadas na gordofobia e já foram muito cobradas por conta do preconceito.

Para as pessoas pauteiras, produtoras, redatoras e editoras:

  • Reflita sobre a escolha dos temas cobertos: “por que falar sobre uma nova dieta, remédio ou procedimento para emagrecer?”; “por que falar sobre o número de pessoas com obesidade?”; “por que falar sobre o emagrecimento de alguma pessoa?”. Esses conteúdos podem até dar audiência, mas o jornalismo sensacionalista também tem e isso não faz dele algo ético.
  • Se optar por abordar esses temas, verifique e questione criticamente a fonte dessas sugestões de pauta. ABESO e SBEM, por exemplo, são instituições destinadas ao emagrecimento das pessoas.
  • Não priorize um tipo de conhecimento em detrimento de outro. É extremamente relevante o conhecimento científico que vem sendo produzido pelos Estudos do Corpo Gordo e eles PRECISAM ser ouvidos quando são as pessoas gordas que estão em pauta.
  • Cuidado com pautas body positive: elas parecem bacanas e afirmativas, no estilo “se ame, se aceite”, mas elas tendem a mostrar que lutar contra a gordofobia é uma responsabilidade apenas da pessoa que sofre com o preconceito, que essa pessoa precisa se aceitar e nada na estruturalidade da gordofobia deve ser feito.
  • Reveja o perfil das fontes entrevistadas: “onde estão as pessoas gordas entre as minhas fontes?”; “elas só são chamadas para falar sobre gordofobia, sobre body positive ou sobre questões relacionadas à perspectiva patologizada do corpo gordo?”.
  • Questione-se: “Eu REALMENTE estou escutando o que as pessoas gordas estão dizendo ou estou querendo apenas uma aspas que se encaixa na minha pauta?”. Em alguns casos, durante as entrevistas as pessoas gordas dão informações valiosas sobre a estruturalidade do preconceito. No entanto, como o olhar está treinado para a patologização do corpo gordo, esses pontos  não são abordados ou aprofundados no conteúdo jornalístico, contribuindo para reforçar padrões e estereótipos.
  • Não mencione o peso da pessoa se isso não fizer sentido na pauta. Isso é muito comum quando pessoas gordas morrem se o peso não tem a ver com a causa da morte.

Para as pessoas fotógrafas, cinegrafistas e que editam imagens:

  • Pare e pense: “Como estou escolhendo mostrar essa pessoa?” – Geralmente pessoas gordas são mostradas em superclose e de baixo para cima, fazendo-as, em tela, parecer melhor do que são. Em imagens de banco de imagem, é comum aparecer pessoas gordas com aparência triste ou comendo – às vezes as duas coisas!
  • Também é importante evitar o headless fatties, ou seja, aquelas imagens de pessoas gordas que não têm cabeça e são mostradas apenas da altura do ombro à do quadril, com foco em seus abdomens. Essas fotografias geralmente são tiradas nas ruas, e as pessoas não sabem que estão sendo fotografadas. Depois essas fotos vão parar nos bancos de imagem, inclusive nos gratuitos, e é muito comum que elas sejam usadas para falar do corpo gordo como doente. Nada mais antiético.
  • Escolheu não mostrar uma pessoa de forma estereotipada ou o corpo gordo fora de contexto? ÓTIMO! Então cuide também para não associar a pessoa gorda a elementos como fita métrica e balança, por exemplo, que mais uma vez reduz o corpo gordo a elementos como a medição e emagrecimento.
  • Vale ainda pensar como a pessoa gorda NÃO está sendo mostrada. Pessoas gordas praticam exercícios, trabalham, vivem relacionamentos etc. Elas aparecem nesses contextos nas suas produções?

Referências

Livros: “O peso e a mídia: as faces da gordofobia” (Alameda, 2021) e “Pequeno Dicionário Antigordofóbico” (Provocare, 2022), de Agnes Arruda.

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*Foto: Lethicia Galo

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